quarta-feira, 7 de março de 2018

Mulheres em seu Dia


Que eu seja mais uma voz a louvá-las por sua graça, coragem e talentos.
 Entre as mulheres nascidas no Sec. XIX são minhas prediletas na História nacional: Maria Quitéria, Ana Neri, Besanzoni Lage, Guiomar Novaes, Anita Garibaldi e Chiquinha Gonzaga. Todas elas, sem exceções, lutaram contra o rigor de comportamento e atuação exigido às mulheres do seu século.
                                        

    A tendência guerreira, pela energia que irá exigir, é geralmente atribuída aos homens, mas Maria Quitéria mostrou que é possível sim a uma mulher a ter em grande proporção.
    Nasceu em Feira de Santana, na Bahia e foi a primeira mulher a ingressar numa unidade das forças Armadas do Brasil, a primeira a entrar em combate e o fez pela nossa Independência.
    Filha de um lavrador, nem escola frequentou. Porém, sabia como ninguém, montar, caçar e manejar armas.
    Quando surgiram os primeiros movimentos pela Independência e então foram procurados voluntários para servirem nas tropas, Maria Quitéria quis alistar-se, mas seu pai, seguindo as ideias anti femininas da época, não o permitiu. Ela então se vestiu de homem, cortou seu cabelo e, às escondidas, alistou-se entre os “Voluntários do Príncipe Dom Pedro”.
    Ficou ali conhecida como “o soldado Medeiros” como desejou que assim a chamassem e nenhum entre os da tropa sabia que tal soldado era na realidade uma mulher.
   Quando seu pai, após procura-la, descobriu a farsa, Maria Quitéria já então era muito valorizada pela habilidade em lidar com armas de fogo e o comandante do Batalhão (então conhecido como “Dos Periquitos” devido ao seu uniforme de punho e gola verdes) não permitiu que seu pai a levasse embora.
    Participou dai por diante em várias batalhas e onde havia um foco de reação dos portugueses lá estava o soldado Medeiros. Quando a tropa entrou em Salvador, recebeu ali homenagens devido à sua grande coragem e audácia. Com o passar dos anos, Maria Quitéria foi reconhecida pelos companheiros (grande proeza ser respeitada num tempo em que a mulher que deixasse o lar nada valia) e não necessitou mais vestir-se de homem.
    Esta mulher quase analfabeta, mas com grande habilidade militar, recebeu das mãos do próprio imperador Pedro I uma rara homenagem: A condecoração de “Cavaleiro da Ordem Imperial do Cruzeiro”.
    No entanto, esta, que foi a primeira mulher a integrar no Brasil num batalhão militar, morreu aos 61 anos em total anonimato, como era de se prever numa época em que a desvalorização da mulher, mormente neste terreno era nula. Porém, em 1953 ,nosso governo ordenou que  seu retrato estivesse  presente em todas as nossas Unidades  do Exército.


    A enfermagem é, sem dúvida onde mais se demonstra a capacidade de doar-nos a alguém, a dedicação a desconhecidos apenas pelo desejo de servir, de melhorar as condições de pessoas em sofrimento.
   Nisso, Ana Neri, foi um exemplo. Considero-a a manifestação do humanismo, da dedicação e do desprendimento de uma mulher.
    Baiana, viúva aos 26 anos criou sozinha seus três filhos, mas conseguiu tornar-se a pioneira de nossa enfermagem.
   Quando explodiu a Guerra do Paraguai, e seus filhos, já mocinhos, foram convocados para servirem nela, Ana inscreveu-se para acompanha-los.        Passando pelo Rio Grande do Sul, permaneceu ali tempos para aprender com as Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo as noções fundamentais de cuidar doentes.  Já depois, no Paraguai, seus serviços começaram a sobressair-se como inestimáveis em meio à falta de higiene e carência de materiais médicos com que contava um país pobre como era então o Paraguai.
    Chegou a criar ali uma enfermaria modelo numa zona então ocupada pelo nosso Exército.  Seu carinho e dedicação aos combatentes atingidos era tal que já lhe granjeou ali o nome de “Mãe dos brasileiros”. Trabalhou incansavelmente indo de núcleos à núcleos hospitalares das melhores cidades do Paraguai, como Assunção e Corrientes. Isto se deu quando estava em seus 50 anos.
    Perdeu um de seus filhos na guerra e, com a sua característica muito maternal, voltou ao Brasil trazendo consigo seis crianças órfãs paraguaias. (Havia já algumas vezes se indisposto com nosso Exército por ter atendido feridos e doentes não brasileiros).
    Por sua precária situação financeira e seu primoroso trabalho, recebeu de D. Pedro II a concessão de uma pensão vitalícia.
   No filme brasileiro “Brava gente, a história de Ana Neri “a tivemos revelada nas magníficas atuações de Marília Pera e Lima Duarte”.
    Hoje, comemoramos o dia 20 de maio (dia de sua morte), como o Dia Nacional de Enfermagem, numa iniciativa de Getúlio Vargas.
   Podemos avaliar o pensamento humanista desta mulher por esta frase que escreveu: “A arrogância, o autoritarismo e a prepotência só estão presentes onde não existe genuinamente sabedoria e humanismo”. O certo é que ambos foram características que nunca lhe faltaram. 

   A música clássica deu-me momentos de prazer e beleza em minha juventude através de duas grandes musicistas: Besanzoni Lage e Guiomar Novaes. Besanzoni, cantora de ópera, voz de contralto belíssima que enchia de expectadores o teatro Municipal do Rio de Janeiro, então chamado de Teatro Lírico. Nasceu na Itália, mas passou a maior parte de sua vida de 74 anos entre nós, casada com o empresário Henrique Lage.
       Ao visitarmos no Rio o Parque Lage, atual Escola de Artes Visuais, é impossível não nos lembramos desta mulher que ali viveu, e encantava o principal palco lírico da cidade com a sua virtuosidade.
    Também Guiomar Novaes cujas interpretações perfeitas ao piano das obras de Chopin a fez prestigiada nos E, U. e Europa, foi durante o século XX o modelo de pianista que eu, então estudante de piano , assim como muitas meninas de minha época , deveríamos ter sempre em mente. Deveríamos ter como meta alcançar o mecanismo dos dedos de Guiomar, a suavidade do seu tocar e o sentimento que colocava em suas performances.

    Imaginemos uma pacata dona de casa de apenas 18 anos, dedicada a afazeres domésticos, casada com um sapateiro da pequena vila de Laguna num Estado ainda pobre do Séc.XIX: Santa Catarina. Teremos então uma aproximada ideia da figura inesquecível de Anita Garibaldi
    Jamais suporíamos que uma tal mulher deixaria o marasmo do seu lar, se apaixonaria por um homem que não o seu marido, e correria mundo com ele. Muito menos que iria se engajar num ideal político que abrangia conflitos europeus e sul americanos, o que a faria merecedora do título: ”Heroína dos dois mundos” .
    Conta-se que sua calamitosa vida iria se iniciar quando o capitão Giuseppe Garibaldi, revolucionário italiano ,chegou à cidade de Laguna na tentativa de formar a República Juliana , uma rebelião contra o império do Brasil chamada depois Revolução Farroupilha.
   Recentemente desembarcado de uma fragata –segundo um relato dele próprio- foi através de uma luneta que a avistou e se seduziu pelo seu rosto . Após muito procura-la, finalmente a encontraria casualmente, quando era hóspede na casa de um morador local.
     Não houve da parte dela indecisões ou preconceitos, o que seria natural para uma mulher de seu tempo. Quando Garibaldi saiu de Laguna, ela, aproveitando que o marido estava ausente da cidade , fugiu com Garibaldi para jamais deixa-lo.
   Logo se viu no ambiente de um navio de guerra aprendendo a lidar com armas e canhões. Estava então como única mulher em meio a guerrilheiros e marinheiros que só a respeitaram porque, afinal ,o capitão Garibaldi não era para alguém querer enfrentar. Porém, logo passaram a
admirá-la pela sua habilidade muito eficiente nas artes guerreiras e sua participação em todos os combates.
    Sua coragem foi demonstrada na Batalha dos Curitibanos. Nela, Anita foi presa, sendo informada que Garibaldi havia morrido. Fugiu então para procurar o seu corpo em meio à perseguições e, à cavalo, embrenhou-se em matas . Tendo que no trajeto atravessar um rio, atirou-se nele, nadando até à outra margem e após dias sem alimentar-se ,finalmente encontrou Garibaldi vivo em Vacaria.
    Quando a Independência do Uruguai se viu ameaçada, seu presidente convocou Garibaldi para comandar o seu exército e o casal mudou-se ao Uruguai. Lá se casaram quando souberam da morte do marido de Anita.  Esta estava então em seus 21 anos. Tiveram cinco filhos.
    Impossível avaliar-se o sacrifício de dar à luz e criar bebês em meio à idas e vindas e aos tumultos de batalhas.
    Garibaldi chamado depois à lutar pela unificação italiana , foram os dois para a Itália. Ali, Anita ficou grávida de seu quinto filho, mas sua saúde já estava bem debilitada. Chegaram a ver proclamada a república em Roma mas a invasão austríaca obrigou-os a fugir dali.
    Levada a uma fazenda nas proximidades de Ravena, devido ao estado final de sua saúde ,ali veio a morrer junto ao bebê que esperava, aos 27 anos. Infelizmente isso se deu sem a presença de Garibaldi que estava sendo caçado pelo exército austríaco.
    Mulher extraordinária ,Anita conseguiu conciliar maternidade com uma propensão surpreendente pelas artes militares e fidelidade à ideais.

    Impossível se falar em talento musical sem citar Chiquinha Gonzaga. Seu campo foi a música popular. Isto numa época em que a mulher havia há pouco tempo recebido o direito ao voto , a temos enfrentando ainda os preconceitos, que dificultavam suas aparições em público, impedindo as artistas mulheres de participarem como os homens de um lugar proeminente no cenário artístico.   Mostrou sua precocidade quando aos 11 anos  compôs sua primeira música.
    Envolveu-se depois em todos os ritmos populares: Lundus, fados serenatas , polcas, tangos, maxixes.     Nada lhe escapava.     Porém, foi no Chorinho que mais se sobressaiu. Ritmo do qual foi ela a primeira a tocar a o piano.
    Quase inacreditável é ter musicado perto de 77 peças de teatro. Porém, ao preparar peças para o Teatro de Revista visto por muitos preconceituosos da época como um antro de licenciosidade, a sociedade não a poupou com reprovações.
    Casou-se aos 13 anos, mas deixou depois o marido, apaixonada que estava por um homem que era um Play boy. Um escândalo de muita repercussão pois o marido moveu-lhe uma ação judicial por abandono de lar e adultério envolvendo até a Igreja.  Sofreu muito quando ele ficou com seus dois filhos menores.
    Lembremos que um divórcio naquela época requeria à mulher um comportamento como a de uma viúva triste e solitária. Mas Chiquinha seguia imperturbável na sua surpreendente performance musical, chegando a ser a primeira mulher a reger uma orquestra.
     Escandalizou mais a sociedade quando, já novamente separada do novo companheiro, foi á Lisboa, pois dali voltou com um rapaz de apenas dezenove anos enquanto ela estava em seus 56.
    No entanto, seu comportamento muito sensual não a impediria de ser uma romântica. Mostrou isto na bela letra que escreveu para a sua composição “Lua Branca” . Quem viveu no século XX, não se esquece da beleza de seus versos: “O lua branca de fulgor e de encanto, se é verdade que ao amor tu dás abrigo, O’ vem tirar do pranto meu o pranto, Ai vem matar esta paixão que vem comigo!
    Sua mentalidade que ia surpreendentemente além do seu tempo, não se restringia apenas à música, abrangia também à política. Muito trabalhou pela Proclamação da República e também pela Abolição da Escravatura.
    Ia, com a sua audácia ,de porta em porta, vendendo partituras de suas músicas, conseguindo fundos para a causa abolicionista. Sujeitava-se à hostilidade com que algumas donas de casa a recebiam, mas pela alegria musical com que contemplava os moradores do Rio de janeiro, conseguia sempre um bom montante de donativos.
    O povo carioca ,sempre amante do carnaval, empolgou-se quando compôs a música “O Abre Alas”, um sucesso imenso do carnaval de 1899. Os Cariocas a homenagearam com uma estátua no seu Passeio Público.
    Quando lembramos Chiquinha Gonzaga, sem esquecer suas atuações como concertista e compositora, a vemos sustentando noites de boemia, tocando um Chorinho após outro, para o deleite de seus ouvintes. O piano sendo naturalmente numa época que estendeu-se até meados do século vinte , o instrumento predileto dos artistas.
    Em 2012, 165 anos após seu nascimento sancionou-se a lei do Dia Nacional da Música Popular Brasileira, como o 17 de outubro, dia do seu aniversário. Uma homenagem póstuma merecida para uma mulher que compôs uma obra de quase duas mil composições.


    Meu desejo de estar sempre sentada a ler ou escrever dificultou meu corpo de voltar-se para o Esporte. Por isso mesmo talvez tenha tanta admiração pela facilidade com que pessoas praticam jogos esportivos. Assim, vejo o Esporte nos brindando com duas mulheres luminares: Maria Lenk e Maria Ester Bueno .
     Em 1925 o rio Tietê, em São Paulo, era muito limpo, propiciando nados de recreação. Maria Lenk, pobre, sem piscina onde treinar ,foi ali que iniciou sua esplêndida carreira de nadadora. Com apenas 21 anos sobressaiu-se tanto, que foi contratada por clubes e escolhida a participar da Olimpíada de Berlim. Dali a mais três anos, já batia recordes mundiais em Nado de Peito. Seguindo sua ascensão vertiginosa ,em 1940 torna-se a primeira sul americana a competir no E.U. quebrando lá 12 recordes. Única nadadora de nosso país a concorrer depois no famoso Swiming Hall Of Fame, na Flórida.  Tornou-se também a precursora do Nado Borboleta para mulheres.
    Sua carreira foi longa. Trabalhou até morrer aos 92 anos em Copacabana tendo dado ao seu clube, o Flamengo, inúmeras medalhas.
     Para Maria Lenk não havia idade que a cerceasse. Dos 85 aos 90 anos , no campeonato de Munique para idosos, voltou de lá com 5 medalhas de ouro. Continuava ,apesar da idade avançada, treinando 1.500 metros por dia .
    O Rio de janeiro tem razão de inclui-la entre as mulheres que marcaram a sua cidade. Foi a fundadora no Rio da “Escola Nacional de Educação Física”, onde hoje é a Universidade Federal do Rio de janeiro.
    Em 2007 ,com justiça ,o Parque Aquático dos Jogos olímpicos recebeu ali o seu nome. Coroou sua bela carreira escrevendo , segundo sua própria experiência, o livro : ”Longevidade e Esporte”, onde fala naturalmente da necessidade do exercício físico na vida de uma mulher. Advertência que parece até dirigida a minha própria inatividade física.
     Já Maria Ester Bueno, sem dúvida a maior tenista das Américas no Sec. XX, conquistou mais de 500 títulos em sua carreira. Seu nome está hoje incluído no Livro dos Recordes, pois durante vinte anos foi a nossa imbatível tenista . Porém, conquistou vários títulos na Austrália, em Roland Garros, Wimbledon, sendo que nestas quadras foi sete vezes campeã, sendo homenageada até hoje em todos os seus “Abertos” , na Inglaterra.
    No Grand Slam que numa temporada de tênis é o grupo prioritário, venceu numa incrível façanha 19 torneios. Entre os anos de 1959 e 1966 conservou-se a primeira tenista do mundo. A beleza de seus movimentos era tanta, que lhe valeu o título de “bailarina do tênis“.
    O jornal “O Globo” do Rio foi que mais a glorificou, postando suas vitórias numa época em que os meios de comunicações eram tão fracos que não nos legaram muitas fotos dos seus feitos. Após 1960, por motivo de contusões e outros problemas de saúde , largou por alguns anos o tênis, mas voltou depois para vencer o Open do Japão.
   Tudo nos admira nesta mulher que já aos seis anos jogava tênis e aos 15 anos já era a campeã brasileira ,e aos 39 já entrava no “Hall da fama” na Flórida.
    Hoje, Maria Ester Bueno, idosa, ainda continua ativa para nossa alegria, como comentarista de tênis para canais de televisão.

     Ao se falar de música popular no Brasil entre os anos 30 e 50 do Séc. XX, ninguém esquece a nossa “Pequena notável”: Carmem Miranda. Era a personificação da brejeirice. Quase todos somos unânimes em pensar que sua principal qualidade era a graça. Intérprete espetacular do samba e de marchinhas, ficou caracterizada por suas vestimentas de baiana. Nelas, nada lhe faltava: nem o turbante, nem o pano das costas, nem os inúmeros colares e principalmente o grande tabuleiro que equilibrava na cabeça, levando nele réplicas de frutas brasileiras, lançando também a moda das sandálias de salto grosso e enfeitadas.
    Nascera em Portugal mas veio para cá ainda bebê e tomou o Brasil como sua pátria, fazendo aqui mais de 200 gravações. Sua projeção internacional foi imensa , principalmente nos E.U. onde era conhecida como “The Brazilian Bombshel” (A bomba brasileira). Chegou até a cantar e dançar para o presidente Roosevelt na Casa Branca como “A embaixatriz do samba”.
   Desde que lançou sua primeira gravação: “Taí eu fiz tudo pra você gostar de mim...” passou a ser muito amada pelo nosso público. Porém inesquecível é sem dúvida os sambas “O que é que a baiana tem?” e “O Tico Tico no Fubá”.  Por sua popularidade, sua figura era reproduzida em imagens de papel e serviu também em desenhos de Disney. Inesquecível ficou o conjunto com o qual atuava: “O Bando Da Lua”.
   Entre as cantoras da rádio Tupi, foi a primeira a conseguir ali um contrato, mas atuou muito também no Cassino da Urca, famoso então em sua época.
    Morreu muito cedo aos 46 anos nos E.U. mas o governo brasileiro requisitou seu corpo para enterra-la na presença de seus inúmeros admiradores do Rio de janeiro.
  

     Assistir uma atuação teatral de Cacilda era fazer frente a um dos maiores talentos de nossa Dramaturgia.
    Nascida em 1921, iniciou sua carreira teatral no teatro dos Estudantes aos 20 anos. Aos 25, trabalhava já ao lado de Maria Della Costa na peça “Vestido de Noiva , de Nelson Rodrigues.
    Quando ingressou em São Paulo no teatro Brasileiro de Comédias , logo se tornou a sua primeira atriz. Em 1955 aos 34 anos ,casada então com o ator Walmor Chagas, fundou sua própria Companhia (que leva até hoje o seu nome) junto a sua irmã Cleide Yaconis, que então se iniciava no teatro.  Lembro-me bem da emoção que senti ao vê-la interpretar magistralmente a belíssima peça “Mary Stuart”, ao lado daquela.
    Imensamente versátil, interpretava personagens absolutamente opostas: Um moleque, uma velha, uma devassa ,uma rainha.  Atuou com os mais renomados atores nossos: Sergio Cardoso, Walmor Chagas, Zienbisnky. Chegou a encenar 68 peças em seus quase 30 anos de carreira.
    Entre seus mais famosos trabalhos lembramos sua magistral atuação em: “A Dama das Camélias”, “Quem tem medo de Virgínia Woolf?, “Antígone”, “Vestido de Noiva“, “A Visita da Velha senhora”.
    Morreu como desejaria: Encenando. Em pleno palco teve um aneurisma fulminante com apenas 48 anos.
    Muitos dramaturgos a consideram a melhor atriz já aparecida em nosso teatro.

Teatro São Pedro em Porto Alegre.

    Falando em teatro, não posso esquecer-me que tivemos entre nós, Riograndenses, uma das maiores protetoras das artes cênicas de nosso país: Eva Sopher. O mês que se passou (fevereiro),devido a sua idade avançada (94 anos), a perdemos.  Toda a Secretaria de Cultura do Rio Grande Sul e principalmente o povo de Porto Alegre ficou em luto.
     Foi a defensora de todas as melhorias materiais e culturais do nosso Teatro São Pedro. Trouxe ao nosso meio os mais renomados artistas teatrais. Liderou nele, conferências, festivais e inúmeras peças teatrais.
      Sempre nos lembraremos de sua figura solícita aguardando e cumprimentando espectadores habituais, em noite de espetáculo, na entrada do Teatro.
     Recebemos dela exatamente 42 anos de intensa dedicação ao que de melhor tivemos em matéria de cultura. Devemos enfim muito à esta magnífica mulher.


  
 No campo da poesia,  que mulher ,no meu ver, poderia se igualar à  Cecília Meireles?
    Muito religiosa, dizia que devia a sua sensibilidade a sua avó, tão espiritualista que a criara, quando na infância perdeu seus pais. Esta tendência marcou muitos de seus trabalhos. Revela isto ao afirmar : “A noção ou o sentimento de transitoriedade de tudo é o fundamento de minha personalidade”.  “Em “O Retrato” entre outros poemas , nota-se esta grande influência.
    Talvez a mais versátil de nossas poetisas, foi também tradutora, folclorista ,jornalista, conferencista.
    Aos 14 anos já escreveu sonetos com os quais faria sua estreia na literatura reunindo-os num trabalho. Na Universidade do Distrito Federal , então Rio de Janeiro, atuou como professora de literatura luso-brasileira. Trabalhou também como jornalista no jornal “Diário de notícias”
    Foi muito ligada à Portugal onde fez varias conferências em Lisboa e Coimbra.
    Além da espiritualidade, que marcou de intimismo sua obra , o Barroco, o Parnasianismo, o Simbolismo estão em seus inúmeros poemas.
    Sua obra inclui temas lendários ,históricos, religiosos e mitológicos.” O Romanceiro da Inconfidência” (sua mais conhecida obra) está já vinculado ao nosso Modernismo (1953) . Seu tema versa sobre a “Inconfidência Mineira”, e nada foi ali esquecido. Nem a febre do ouro, nem personagens de inconfidentes e o seu principal: Tiradentes. Para uma apaixonada por história ,este tema é naturalmente imperdível.
    Fez um linda coletânea de versos junto ao nosso grande Mario de Andrade.
    Suas viagens foram inúmeras, sempre recebendo nelas um grande reconhecimento: Do Chile recebeu “A Ordem do Mérito” e em 1964 , ano de sua morte, foi inaugurada em Valparaiso a Biblioteca Cecília Meireles.  Na Índia, a Universidade de Delhi lhe concedeu o título de “Doutora Honoris Causa . Um ano após a sua morte, em 1965, recebeu do governo brasileiro o prémio “Machado de Assis” pelo montante de seu trabalho.
    Sem citar aqui muito mais de sua versátil obra, pela exiguidade deste relato, consideramos Cecília Meireles ,sem dúvida, a mais inspirada , lírica e talentosa de nossas poetisas.

Terreiro do Gantois, em Salvador.

Entre nossas notáveis religiosas lembremos duas: Menininha do Gantois e Irmã Dulce. Serviram a setores diferentes: Menininha, na Afro Brasileira e Irmã Dulce, no catolicismo cristão.
    Menininha do Gantois liderou um dos primeiros terreiros fundados na Bahia em 1849,nos primórdios do culto afro entre nós. Seguia com maestria a tradição de sua bisavó, uma negra escrava, sacerdotisa do período matriarcal do Candomblé baiano.
    Desde criança já fora escolhida como futura yalorixá  por seus dotes de carisma e sensibilidade. Juntando a isso sua grande habilidade administrativa,  tornou-se logo a mais famosa entre as Mães de Santo.  Era muito generosa : Conhecedora dos ritos de seus ancestrais africanos, dedicava-se a ensina-los a quem neles se interessasse. Passava também com frequência seu “Axé”( energia espiritual) para suas noviças.
    Nos primeiros anos de seu mandato sofreu a perseguição da Igreja, mas sua personalidade carismática atraiu para si a simpatia de homens famosos  como Caetano Veloso, Vinícius de Morais, Jorge Amado e outros muitos , que foram todos grandes “Ogans”, financiadores e propagadores de seu terreiro. Em troca ,recebiam seus sábios aconselhamentos.
    Em 1972 com 58 anos recebeu de Dorival Caymi sua famosa música ”Oração à Mãe Menininha”. Em seus versos dizia: “A beleza do mundo? Tá no Gantois .E a mãe da doçura ? Tá no Gantois. E o consolo da gente? Tá no Gantois”. Emocionante é também se ouvir Gilberto Gil cantar seu “Réquiem pra Mãe Menininha do Gantois”.
    Tendo servido à Afro por mais de 60 anos, foi sem dúvida a embaixatriz da cultura negra entre nós.

    Irmã Dulce é para mim o exemplo mais marcante da perfeita religiosa. Uniu devoção e disciplina aos postulados de sua Igreja , com um desejo imenso de servir à humanidade.   Nascida na Bahia em 1914, aos 20 anos se tornou freira, quando então passou a dedicar-se exclusivamente à pobres e necessitados.
    Mesmo sempre muito debilitada ,pois sofria de problemas respiratórios, jamais deixou de trabalhar por longos 50 anos. Criou no Convento de Santo Antônio (hoje Hospital Santo Antônio) um albergue para doentes aos quais se dedicava. Criou também o Colégio Santo Antônio para família de operários.
     Porém ,não foi só a Bahia favorecida por sua personalidade amorosa. Trabalhou também muito em Sergipe na “Congregação das irmãs Missionárias da Imaculada Conceição da Mãe de Deus”.
   Em 1980 foi com 66 anos, durante uma visita do papa João Paulo II convidada a subir ao palco a seu lado, quando então recebeu dele o presente de um terço.
    Foi beatificada pelo papa Bento XVI em 2010 pois lhe foi reconhecido um milagre.  Hoje o Vaticano estuda sua vida para a possibilidade de outro milagre, o que a faria então ser canonizada.
    Em 2000 numa homenagem póstuma recebeu do papa João Paulo II o título de “A Serva da Deus”, porém aqui no Brasil preferimos chama-la sempre de “O Anjo bom da Bahia”

O que impressiona-me em Raquel de Queiroz é a fidelidade com que nos transmite um tema regional, expõe cruamente sua vivência sem omitir as agruras da região mais árida e árdua de nosso país : o Nordeste.
      Escritora de Fortaleza, de origem humilde, foi a primeira mulher a entrar na Academia Brasileira de Letras, ganhadora de inúmeros prêmios, inclusive o importante “Camões” de Portugal.
    Escreveu seu primeiro romance “O Quinze” aos 20 anos, já moradora no Rio de Janeiro. Este, relata uma grande seca vivida pela autora quando tinha apenas 5 anos, conta-nos o drama dos retirantes do nordeste. Esta é talvez a mais linda obra regionalista da nossa literatura.
    Aos sete anos, seus pais fugiram aos horrores da seca, indo para o Rio de Janeiro .Porém, apesar da precariedade de seu primeiro lar, Raquel sempre amou a intelectualidade, descendente que era do grande escritor autor do “Guarani”, José de Alencar.
    Seu livro “Memorial de Maria Moura” tornou-se outro de seus importantes sucessos.  Foi aproveitado pela TV numa minissérie de imensa aceitação pública.
    Atuou também como dramaturga escrevendo peças para o teatro como “A Beata Maria do Egito” e “Lampião”. Por todo o montante de sua obra mereceu ser a primeira mulher delegada na Assembleia da ONU.
    Morreu aos 93 anos após uma carreira onde durante 70 anos foi uma escritora brilhante.    

    Em se tratando de nossas mulheres na política, teríamos de regredir há muitos anos atrás, ao tempo do nosso império.
    Buscaremos esta mulher: Carolina, Josefa ,Leopoldina, Francesca, Fernanda de Habsburgo . Nome de rainha? Sim. Mas, a conhecemos simplesmente por” Imperatriz Leopoldina”. Na verdade, nem a poderia incluir neste relato pois não era brasileira e sim austríaca. Porém, veio para cá muito jovem para se casar com o nosso imperador Pedro I e dedicou desde então todos os pensamentos de sua vida ao nosso país como se brasileira fosse.
    Se é certo dizer-se que “por traz de todo grande homem se esconde uma grande mulher”, ela poderá bem ser um exemplo. Justifica-se isto no título que lhe atribuem: “A Paladina da Independência”
    Casada em 1817, foi a sombra influente por traz de D. Pedro, no processo da mais importante reivindicação política que tivemos: A Independência .
    Buscou também intensamente a aceitação da nossa Nacionalidade por Portugal, sendo ela a mentora da carta escrita por D. Pedro a D. João VI, onde aquele consegue a nossa separação oficial de Portugal, ocorrida uns dias após a Independência em 22 de Setembro de 1822.
    Todos os nossos historiadores a consideram a figura chave por traz da política de sua época. Foi também a imperatriz mais amada por nosso povo, incluindo nele os escravos que a adoravam pelos sentimentos de tristeza que expressava em respeito aos sofrimentos dos negros. Todas as classes sociais a amavam.
    Sua vida matrimonial não foi das mais tranquilas, pois D. Pedro I ,um namorador contumaz ,tinha também já desde antes de casar-se a sua amante predileta: Domitila de Castro, a quem dera o título de “Marquesa de Santos”. Muita humilhação sofreu por esta relação de D. Pedro, mas sempre portou-se com a dignidade de uma verdadeira imperatriz.
    Morreu de parto no Paço de São Cristóvão no Rio ,com apenas 29 anos já tendo dado ao marido sete filhos .Quando faleceu, D. Pedro tinha se ausentado por um trabalho no Sul e ela dias antes, talvez prevendo o seu fim eminente ,com a sua peculiar amorosidade , o perdoou por todas as humilhações que a fizera passar. Ficou no Rio como regente do império em sua ausência. Muito doente e grávida de três meses ainda chegou a presidir um Conselho de Ministros antes de falecer.
    Sua morte foi uma perda irreparável para todo o país. Muitas rezas e orações espontâneas populares a antecederam. Nunca o país havia visto tantas manifestações por uma figura pública. Vê-se isto também em escritos deixados pelos escravos ,onde era dito como um lamento:- “Quem tomará o partido dos negros? Nossa mãe se foi”.
    Quase dois séculos depois, em 2017, na T.V, com a novela “Novo Mundo”, esta notável imperatriz teve ressaltada mais uma vez a sua importância em nossa História.

    Com exceção de nossa querida Maria Ester Bueno, todas as mulheres aqui citadas estão falecidas. Hoje porém, temos mulheres notáveis em plena atividade: Atrizes, bailarinas, cantoras, jogadoras, jornalistas.
     Temos Fernanda Montenegro , Ana Botafogo, Bibi Ferreira, Marta da Silva (Marta), Marta Medeiros e muitas outras enchendo de beleza e talento o nosso cenário nacional.