segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A Filosofia Simbólica dos Números


   Como iniciador da Escola de Crotona, uma das tantas Escolas de Mistérios Iniciáticos da Antiguidade, Pitágoras dedicou-se também à filosofia dos números. Ensinava a seus alunos que os números revelavam a criação do universo manifestado e a trajetória evolutiva do homem, desde sua origem até um futuro retorno a ela. É sobre o seu pensamento não como matemático, mas como filósofo iniciador que elaboro este trabalho.

Uróburo
 
 
   Os números de zero a dez, sozinhos ou diversificados pelo jogo de adições, subtrações, multiplicações ou divisões nos mostrariam as leis da Criação. Desde a Criação todas as coisas e todos os seres fariam enumeráveis evoluções, mudanças de consciências e depois de tudo se aproximariam novamente de sua origem, num retorno então já plenamente consciente e merecido. Os números poriam então diante de nós este quadro de vidas sempre renovadas que, porém, defeririam uma das outras pela multiplicidade de realizações individuais. Tais realizações estariam expressas em todas as possíveis combinações dos números.

   Todos os seres segundo ele teriam, porém isto em comum: Só voltariam à sua origem, a que ele chama de seio divino, para usufruírem o estado de felicidade, de bem aventurança (chamada depois pelos budistas de Nirvana), quando após longa trajetória de agregar suas formas e renovar suas consciências, adquirissem a plenitude da sabedoria.

   Abordo aqui um pouco deste quadro numérico:

O Zero - Representado numericamente por um círculo nos revelaria a vontade de uma de uma força inicial (a que chamamos Deus) de limitar-se a si mesmo. Para tanto, teria, numa ilustração muito simplista, criado em seu espaço ilimitado, um espaço limitado representado no círculo para que, dentro dele, manifestasse universos nos quais aconteceria a manifestação de tudo o que existe, incluindo as nossas entidades individuais que eram chamadas por Pitágoras “Mônadas”.

   O Zero é também representado simbolicamente por uma serpente que morde a própria cauda chamada de Uróburo. Uma alusão à unidades que buscariam a volta a sua origem, voltar em formas cada vez mais apuradas a uma totalidade de consciência.

   O Um - Tem como símbolo um ponto dentro de um círculo limitador. Tal ponto, como um fogo incandescente dentro do círculo limitador teria explodido como uma flor, criando as unidades individuais, tudo, todos os seres, todas as coisas microcósmicas e que conhecemos e que ainda não conhecemos. Tais unidades, embora sempre renovadas em formas e consciências, trariam em si uma essência imutável, imortal, vinda da fonte original que as criou.

Tao, composto da força do Yng e do Yang.

O Dois - Representaria uma energia magnética, um princípio que uniria força e forma (nos mitos gregos de criação seriam Urano e Geia) nomeada pelos antigos pitagóricos de “alma mundi”, origem da atração e repulsão que manteriam os mundos sustentados. Seria também um impulso que une os opostos. Em âmbito humano foi visto como o amor que tenta a harmonização entre as mônadas individuais por diversas que sejam.

   No símbolo chinês do ying e yang, vemos o número dois representado numa dualidade de feminino e masculino. Se notarmos o Ying (Lado negro, feminino) vemos dentro dele um ponto branco. Se notarmos o Yang (lado branco, masculino) veremos nele um ponto negro. Um dentro do outro, numa dependência mútua para se sentirem plenos. O número dois representa para o chinês, enfim, toda e qualquer das polaridades em que vivemos: Calor/frio, tristeza/ alegria etc.

   O Três - É um dos símbolos da Escola Pitagórica por excelência. Seu símbolo é o triângulo. Chamado às vezes de “Tríada Pitagórica” Resultado da união de 1+2 soma a nossa unidade individual monádica, mais a polaridade humana. È a constituição ternária representada em mitos tais como: Osíris, Isis e Hórus (Egito) An, Anli e Anki (Mesopotâmia), Zeus, Podeidon e Hades(Grécia), Brama, Vishnu e Shiva (Ìndia) Corresponderiam a uma trindade de matéria, alma e espírito e no caso da trindade Brama Vishnu e Shiva seria a Criação, a manutenção e a destruição, acontecendo em ciclos contínuos.

   O Quatro - É o quaternário representado por uma pirâmide triangular de 3 faces triangulares laterais e uma base também triangular que perfazem 4 triângulos. “Chamado pelos pitagóricos de” Tétrada Sagrada”, recebia deles este juramento: “Juro por aquele que grava em nossos corações a Tétrada Sagrada, imenso e puro símbolo, origem da natureza e modelo dos deuses”.

   Na natureza a Tétrada é representada na flor de lótus que nasce na terra, passa seu caule pela água, passa outro pedaço pelo ar e desabrocha sua flor ao calor do sol. Representaria então os quatro elementos da natureza; terra, água, ar, e fogo.

   O Cinco -  Tem simbolismo no pentagrama (estrela de cinco pontas). A academia de Pitágoras o usava como símbolo do homem perfeito. Porém, a Arqueologia descobriu  pentagramas em cerâmicas na Mesopotâmia e na Anatólia datados de 3.500 AC. como símbolos rituais.

   O homem perfeito - segundo Pitágoras - tem a cabeça voltada à transcendência do céu acima de si, os pés objetivamente plantados no habitat terrestre e os braços abertos abraçando os seres da humanidade. Perfaz, enfim, o desenho de uma estrela representativa da trajetória do homem até atingir a perfeição. Traçavam-na com uma linha apenas que partia do ponto 1 acima (parte espiritual), descia ao ponto 2 (forma embrionária), trazia à linha ao ponto 3 (nascimento do  emocional), trazia ao ponto 4 (nascimento do mental), descia ao ponto 5 (plano da purificação, chamado de descida ao inferno), subia ao 1 novamente (retorno à origem, ao plano espiritual). Tal desenho representava a trajetória evolutiva do homem.

Pentrama, símbolo do homem perfeito.


   Alquimistas medievais estudaram o cinco simbolizando-o num desenho representativo de um quinto elemento natural ao qual chamavam Quintessência  da matéria. Representaria um quinto elemento agindo por traz da manifestação física e no qual se acumulariam todas as desditas e enfermidades corporais, a razão do corpo degenerar-se. Purificar e dominar a energias desta quintessência seria a própria razão da busca alquímica pela chamada “Pedra Filosofal”. Buscá-la foi o sonho inglório dos alquimistas.

   O Seis -  A representação simbólica deste número é uma estrela de seis  pontas, o Selo de Salomão, símbolo judaico representativo dos três atributos que o homem recebeu em sua essência: Vontade, Sabedoria e Amor simbolizados no triângulo de vértice para cima e que terá que ser manifestado perfeitamente equilibrado a bem de evoluir no mundo físico, representado no triângulo de vértice para baixo.

   O Sete -  São inúmeras as estruturas sétuplas a serem estudadas. O artista se ligará as sete cores básicas, o musico à escala setenária dos sons, o hinduísta  as energias dos sete chacras etc. Porém, a reflexão sobre o símbolo judaico do Menorá (castiçal de 7 velas) nos faz concluir que ele representa, na realidade, uma pausa pós-criação, um repouso. Diz a Bíblia judaica; “No sétimo dia Deus descansou”. O sétimo dia seria então aquele em que a própria Criação para, faz um entreato de repouso. È comemorado no sabá  judaico. Tal entreato criativo se encontrará também no estudo hinduísta da chamada “Noite de Brama “ sendo chamado então de Ponto Laia ou do repouso.

A rida do Dharma e as oito sendas.

O Oito -  Os budistas o representam  na “Roda do Dharma”. Ela mostra as 8 sendas para se chegar ao Nirvana. Chamada também de caminho Óctuplo: Reta crença, reto pensamento, reta fala, reta ação, reta sobrevivência, reto esforço, reta atenção, reta concentração. O oito é também o símbolo da ressurreição da consciência “segundo nascimento”. As antigas pias batismais eram em forma óctupla. Momento em que era oportunizado um novo nascimento para à vida, uma ressurreição .

O Nove -   O que de melhor simboliza o nove é a Cabala judaica em sua Arvore da Vida. Um dia –nos diz a Cabala- o homem poderá afirmar; “Eu sou o poder de três vezes o três” . Teremos então já percorrido  3 triângulos, o equilíbrio físico, o ético e o espiritual.

O Dez -   É novamente Pitágoras que sacraliza um número. Ele é simbolizado no Tetraktys, ou Década Sagrada, tão importante para os pitagóricos como a cruz para os cristãos. A soma de 1+2+3+4 simboliza a origem alcançada. Símbolo da totalidade da manifestação, o retorno. Representado numa parábola cristã, seria a do “Filho Prodigo” que volta a seu lar paterno após uma jornada por busca de plenitude que por fim consegue.

Tetraktys, a década sagrada.

   A um iniciado da ordem pitagórica de Crotona era exigido buscar o conhecimento do Tetraktys, antes de começar os três anos como noviço. Sua oração perante este símbolo assim dizia ;” Abençoai-nos ó número divino que gerastes os deuses e os homens! Ó santo número que encerrais a raiz e a fonte do eterno fluxo criador!”.

   Esta divagação filosófica sobre números, inicia-se no zero, símbolo circular, no momento em que Deus (ou seja que nome alguém queira dar ao impulso criador) limita-se para criar e termina no círculo do zero, que remata o número dez. Por traz do Zero, aquém do início da Criação, esbarra-se no sublime mistério, no incognoscível, no Imanifesto.
 

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

20 de Novembro - Dia da Consciência Negra - Chico Rei


Chico Rei foi uma das figuras negras mais marcantes de nosso escravismo colonial. Em sua terra, o Congo, fora um rei respeitado por suas reações guerreiras à invasões guerreiras vindas de outras tribos ,onde sempre procurava como primeiras atitudes as tentativas de pactos com inimigos. Era conhecido como valente, mas conciliador.

   O Congo era próspero e seu reino um dos mais ricos da África, com sua tribo adornando-se de ouro e pedras preciosas.    Perderia tudo, até mesmo o nome que era então” rei Galunga”, porque todos os escravos levados com ele para o além-mar, batizados e marcados por ferro a fogo, receberam o nome de” Francisco”.

    Sua família (monogâmica) constava de sua esposa, uma filha criança ainda e seu filho primogênito Muzinga.,Foi posto em algemas por traficantes de tribos entreguistas africanas, que viam na venda dos reféns de lutas entre nativos, um grande lucro.

    Fez junto à família a travessia ao Brasil num daqueles torturantes navios negreiros onde poucos iriam sobreviver à inimagináveis crueldades. Quando uma tormenta ameaçou naufragá-lo, pois levava demasiada carga de escravos (peças, reses, como os chamavam pejorativamente) ,para alívio de seu peso,no porão onde se alojavam mulheres e crianças, todas foram atiradas às fúrias do mar. Entre elas a esposa e filha de Chico.

    Assim, aquele antigo e poderoso rei, humilhado, com o pescoço preso a uma gargantilha de ferro, em condições sub-humana, levando no peito a saudade da esposa e filha ,tendo em mão apenas seu único filho, desembarcou para ser escravizado em Ouro preto. Ouro Preto, chamada então Vila Rica, tinha seu nome justificado. Proliferavam nela incontáveis jazidas de ouro da fabulosa época aurífera de Minas Gerais.

Escravatura no Brasil.

    Logo, ali correu a notícia que um rei do Congo chegara entre os novos cativos.  Por respeito que para os negros representava uma autoridade, mas sobretudo pela postura que mantinha em qualquer episódio doloroso , Francisco passou a ser chamado de Chico Rei e respeitado. Na mina de ouro de seu rico proprietário, tornou-se o mais diligente nas escavações e jamais se envolveu nos motins de negros rebelados que resultavam sempre em inúteis sangueiras , onde as condições dos escravos ,ante o poder dos brancos, sempre pioravam.

    Em poucos anos de trabalho, ganhou a confiança de seu dono e recebeu dele a incumbência de ser feitor para controlar centenas de negros. Ao contrário da maioria de feitores que, como homens revoltados, eram quase sempre mais cruéis que os proprietários, levando seus próprios conterrâneos a obedecer-lhes a peso de chicotes e torturas, Chico rei ,generoso, passou a melhorar sobremaneira ,as condições dos escravos.

    Por seu caráter impoluto, Chico chamou a atenção e ganhou a amizade do padre de uma paróquia de Vila Rica. Quando então a mina em que trabalhava mostrou estar já absolutamente esgotada pelo tanto e tanto ouro já dela retirado, o padre fez a seu proprietário uma proposta que mudaria a vida de Chico: Comprar a sua alforria. Este era o único direito do escravo. Ser tornado forro desde que fosse pago a seu dono a mesma quantia com que fora comprado ao traficante no porto aonde chegara.

    Assim, Chico deixou a mina apenas com uma tristeza: deixar para trás seu filho que ali ainda permaneceu escravo. Porém ,com a firmeza que lhe era peculiar, ao abandona-lo garantia: Farei de ti um negro forro e voltarei para busca-lo. Foi no que se empenhou. Fazendo agora um trabalho remunerado, conservou-se numa vida de privações onde passava fome e sacrifícios para juntar o suficiente a fim de ter em mãos a alforria do filho, o que dali a um tempo conseguia. Contudo, seu sonho era maior: Tornar forros todos aqueles de sua tribo, embarcados com ele do Congo.


Igreja de Santa Efigênia em Ouro Preto.

 Havia na personalidade de Chico Rei algo muito forte: a devoção a seu deus pagão Zambi Apongo. Agora, pela convivência com o padre, familiarizou-se com os santos negros do Cristianismo: São Benedito, Nossa Sra. do Rosário e santa Efigênia.  Passou a dar a eles de coração aberto, simplório e ingênuo o mesmo culto.

    Seu antigo dono, já velho e endividado pelos luxos de vida já despendidos e onerado pelos tributos pagos ao rei de Portugal, veio a ele com outra proposta: Vender-lhe os terrenos de sua mina esgotada, garantindo –lhe que só ele ,Chico, com sua competência, poderia achar outro veio de ouro, caso ainda houvesse algum no terreno vendido. Mostrou a afeição que já lhe tinha, doando-lhe os instrumentos e ferramentas para iniciar as suas buscas.

    Comprada a mina, de fato dali a um tempo, após estafantes e insanas escavações, Chico e seu filho encontraram uma grande pepita de ouro que os levaria a desenterrar um veio riquíssimo.

    Chico enriqueceu, mas, embora ainda novo, tinha já o corpo encurvado pela faina de tirar da terra aquilo que era a sua meta: dar a liberdade para cada um de seus conterrâneos com ele desterrados.

Congada.
   Com os benefícios que seu carisma conseguia, foi o grande protetor em Vila Rica dos negros em todas as injustiças que sofriam.

    Por sua devoção, construiu nos altos de um morro uma capela à santa Efigênia como gratidão a paróquia que o auxiliara.

    Foi Chico o introdutor da “Congada”, esta festa afro que hoje faz parte de nosso folclore , já espalhada não só no sudeste como em vários estados brasileiros. Um dia em Vila Rica, frente a igreja de Nossa Sra. do Rosário,com o consentimento de autoridades da Igreja, pela influência de Chico, juntaram-se negros forros, vestindo roupas e calções coloridos ,blusas de seda branca e golas de rendas, mas descalços. Levavam na cabeça enfeites de espelhos refletindo a luz do sol, e guizos pendurados, dançavam, cantavam melodias congolesas, faziam evoluções com acompanhamento de tambores. Reproduziam uma festa pagã em culto ao deus Zambi-Apungo. Nela, Chico ,já um rei coroado no passado , recebeu novamente uma coroa. A festa do congado de Chico espalhou-se rapidamente e, como tradição, nela é sempre coroado um rei.

   Morreu aos 72 anos, alquebrado pelo excesso de trabalho e por todas as torturas sofridas, levando sempre consigo a saudade de seu amado Congo, pedindo a seu filho Muzinga que sempre tivesse dó dos negros e procurasse reservar sempre o suficiente para torna-los forros . Concretizara seu sonho : Dera a liberdade a cerca de trezentos, todos os de sua tribo que fizeram a travessia naquele fatídico Negreiro.

   Foi pranteado pela população escrava de Vila rica, que viam nele o único chefe generoso; pela Irmandade de Nossa Sra. do Rosário dos Pretos e até por oficiais e autoridades da corte portuguesa. Foi, sem dúvida, o mais influente personagem do ciclo de ouro em Minas Gerais.

    Hoje, o imaginário popular diz que sua alma caminha entre os congadeiros compartilhando com eles os festejos da “Congada”.
 

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Hallowen


Hallowen é uma palavra inglesa que significa “algo consagrado”. Designa um dia em que com festividades e alegrias amenizamos o terror da morte que a nossa cultura cristã nos legou.

    Dia 31 de outubro nas Américas e Europa homens, mulheres e crianças vestem-se de roupas negras e fazem brincadeiras transvestidos de esqueletos, satirizando estes terrores, emprestando naturalidade à morte.

    Como exemplo de um povo da América que muito festeja este dia, temos o mexicano.

    No Hallowen, seu país inteiro para. Todas as atenções deverão se voltar aos que faleceram, mas sem perder a faceta de alegria, pois é a data em que - segundo creem - os mortos queridos estão entre nós e que devemos lembrar com júbilo tudo o que fizeram de bom.


Abóboras que no Hallowen iluminavam os campos.

    Padarias e confeitarias trabalham incessantemente preparando pães, doces e biscoitos, em formatos que lembram símbolos da morte como foices, caveiras etc, pois irão entrar em concursos para disputar os mais belos e gostosos. Esculturas com esqueletos vestidos com roupas luxuosas são exibidas em vitrines e nichos. Em muitas aldeias, na frente da porta das casas, são colocadas mesas com guloseimas que os falecidos da família mais apreciavam. Querem assim atraí-los a vir compartilhar aquela refeição com seus familiares.  Cemitérios se iluminam com tochas acesas coloridas espantando assim qualquer resquício de tristeza que ali estiver. O sentido é tornar alegre o local onde os mortos descansam.

    Tais comemorações jogam nossa lembrança aos povos da Antiguidade que mais os cultuavam neste dia.

    No Egito, nos templos de Osires acontecia o quarto dia das celebrações de Isia com procissões e oferendas à ressurreição do grande deus. Na antiga Suméria, reverenciava-se Ereshkigal, senhora do mundo subterrâneo que, tal como o Caronte grego, era também a condutora da barcaças que levavam as almas a seu reino dos mortos. Neste dia, Ereshkigal facilitava aos homens que a cultuavam, acharem as riquezas de seu subsolo, como pedras preciosas e metais valiosos. Então, esperançados, seus fieis cavavam a terra para achá-los.

    Na Grécia as celebrações eram naturalmente dedicadas à Perséfone, esposa do deus da morte Hades. Aos participantes eram oferecidas romãs, símbolo do ciclo de ida e volta de Perséfone aos reinos do solo e subsolo. Também Hécate era ali chamada neste dia pois, como guardiã dos caminhos que era, conduzia os mortos a vir ajudar bruxas e feiticeiras que desejavam ver aumentados por eles os conhecimentos que já tinham sobre o mundo do Além.


Mesa de oferenda aos mortos no México.


    Porém, o povo antigo que mais cultuou o 31 de outubro foi, sem dúvida, o Celta com sua noite do Samhain, quando acontecia o mais famoso de seus festivais. Contavam ali com as energias da “Senhora da Noite” a deusa Caillech que sempre rompia males acumulados e lhes prometia o mais importante: O intercâmbio com os seus entes falecidos.

    Esta era a única noite no ano que os Celtas levantavam as sombras que separam o mundo dos vivos do” Pais de Verão”, local que -segundo acreditavam- as almas aguardavam novas encarnações.   Seus caminhos para vir fazer anuais visitas, eram iluminados por tochas, fogueiras e luzes protegidas dentro de abóboras ocas. A visão de um campo clareado por abóboras acesas, certamente – pensavam - evitava que os habitantes do “Pais de Verão” se perdessem.

    Aproveitava-se a oportunidade para que oráculos, tais como Runas, reflexos em bacias com água etc, fossem feitos, na certeza de que as inspirações recebidas dos mortos e a sabedoria da deusa Anciã lhes dariam a resposta certa. Esta era a noite da grande prática oracular na Europa Celta. Hoje a tradição druida ainda a usa, numa preservação deste mito.

    Esta noite marcava o Ano Novo dos Celtas Estes faziam também neste período outonal o último dos festivais da colheita, onde tudo era alegria, para depois vir a semeadura, quando os grãos baixariam às profundezas da terra. Tudo isto coincidindo com as festividades de reencontro com os mortos, de maneira que almas e natureza voltassem depois juntas ao grande período invernal da hibernação.


Menina mexicana no "Dia de Los Muertos", no México.

    O Hallowen nascido no Hemisfério Norte, quando o 31 de Outubro é o Outono que precede o Inverno, estendeu-se ao nosso Hemisfério Sul. Então pela oposição das nossas estações do ano, aqui, não o relacionamos tanto à natureza, como o faziam os povos antigos europeus.  Nossa ligação ao Hallowen refere-se especificamente aos mortos, que por nossa cultura cristã são homenageados nesta época.

    Nossa Igreja quando aproveitou a grande força devocional que esta noite suscitava em povos antigos e colocou o dia do mortos nas proximidades deste seu festival, por certo, com o tempo, se redimiu de erros, conseguindo trazer a nós, seus fieis, a grande compreensão que as sociedades arcaicas tinham do rompimento entre vivos e mortos, a naturalidade com que viam o processo de morrer-se.

    Hoje, quando nossas crianças brincam alegremente na noite do Hallowen com símbolos da morte, certamente estarão vencendo os medos que por uma educação errônea, nós cristãos, lhes estávamos transmitindo.

sábado, 4 de outubro de 2014

Rio da Prata, Beleza e História


    Passou a ser assim chamado desde que no Sec.XVI, tal como nos conta Galeano no seu clássico livro “As Veias Abertas Da América Latina”, o índio Hualpa perdeu-se uma noite na região que hoje é a Bolívia, ao pé de uma montanha de quase 5 mil metros de altura, correndo atrás de uma lhama fugitiva e acendeu um fogo para aquecer-se.


Colônia de Sacramento com o Rio da Prata ao fundo.

    “A fogueira iluminou um filamento branco e brilhante. Era pura prata” Surgia assim a fabulosa Potosí.  Surgia para a ganância dos invasores espanhóis; para encher os cofres de Carlos V; para a exploração, martírio e quase extermínio da população indígena que por ali vivia: Charruas, Guaranis, Tapes e outros.

    Potosí, hoje uma das cidades mais pobres da Bolívia, tornou-se a mais rica de sua época. Em prata, igrejas, palácios, mosteiros foram erguidos. Historiadores falam em ferraduras de cavalos de prata; em procissões, onde para sua passagem se forravam com prata as ruas de Potosí; em festas para os nobres espanhóis ali residentes,quando as refeições eram servidas em porcelanas vindas da China, em cristais de Veneza em que as mulheres se perfumavam com essências trazidas da Arábia pisando em chão forrado de tapetes persas.

    Potosí abriu novas povoações nas margens do Rio da Prata proporcionadas pelo comércio de couro, feito com os fazendeiros e criadores locais.

    Nos finais do Sec XVI, pelo tratado da União Ibérica entre Espanha e Portugal, grupos de portugueses chegaram à Buenos Aires e passaram a fazer concorrência aos comerciantes espanhóis que ali tinham a exclusividade do comércio da prata. Todo ele feito pelo trabalho insano, sacrificante dos indígenas. Um antagonismo entre espanhóis e portugueses teve início.

    No Sec.XVII começa o tráfego de escravos negros vindo de Angola, trazidos por judeus portugueses, os chamados Cristãos Novos ou Marranos, aqueles que chegaram ao Brasil, perseguidos pela Inquisição em Portugal. Tornaram-se eles os senhores absolutos do tráfego negreiro que saindo de São Paulo e Rio de Janeiro vinham abastecer de mais mão de obra a América espanhola (América Central, Potosí e Buenos Aires) vindo aumentar o contingente de nativos indígenas já explorados impiedosamente.

Trecho do Rio da Prata.
    Quando em meados do Sec.XVII o tratado da União Ibérica foi cancelado, os portugueses de Buenos Aires foram expulsos e se espalharam pela banda oriental do rio, para o Uruguai, atual zona de Montevidéo (tal como a chamam os uruguaios). Como defesa de seu novo território, fundaram a Colônia de Sacramento. Então, o tráfego negreiro passa a ter ali a sua sede. Só no início do Sec. XVIII o governador de Sacramento desembarcou nela 1.654 escravos negros. Eram vendidos aos fazendeiros criadores da Banda Oriental.

    Para diminuir a troca comercial portuguesas naquela zona, em 1724 o governador de Buenos Aires funda a cidade de Montevidéo.

    Seu nome (conforme nos contam os guias turísticos) se deve aos nautas que percorrendo o Rio da Prata, avistando terras, lhes faziam marcações para identifica-las depois pelos montes que as cercavam. Então assim temos: Monte VI (seis em romano) d (sua direção) e (este) o (oeste) formando então a palavra Montevidéo.

    Porém, a prosperidade de Colônia de Sacramento crescia, pois além da troca de escravos por couro, também escravos eram vendidos a grupos espanhóis dominantes em Buenos Aires que, em troca, mandava à Sacramento a prata. Para tais grupos havia a vantagem de revender os escravos para o Chile e Peru por preços exorbitantes, muito superiores aos que haviam comprado.

   Em 1760, 50% da população de Sacramento eram escravos negros, na verdade moradores temporários, sempre à espera de serem enviados para os fazendeiros da Banda Oriental ou para comerciantes de prata argentinos. Porém, tal prosperidade não iria manter-se, pois após sete tentativas de invasões por parte de Buenos Aires, esta finalmente colocou aquela colônia portuguesa definitivamente na mão dos espanhóis.

Ruínas das Missões Jesuíticas no Rio Grande do Sul.

    Hoje, as lembranças do seu primeiro período, encontramos em Sacramento nas construções portuguesas resistindo ao tempo; em suas árvores copadas e bancos nas calçadas que atendiam o costume português dos vizinhos encontrarem-se ao entardecer para “jogar conversa fora”; nas tabuletas com escritos singelos, postas nos portais das casas, que naqueles anos do Sec.XVIII indicavam as atividades de seu morador.

     Em meio a tanta luta acontecida em suas margens, a região do Rio da Prata nos trouxe o belíssimo trabalho dos Jesuítas que surgiram para minorar o sofrimento dos índios Guaranis.

    Chegaram às suas margens já em 1609 implantando um sistema de reduções e garantindo a vigia sobre a navegação por toda a Bacia do Prata. Realizaram suas catequeses em povoações que abrangiam o Uruguai e Tape (atual Rio Grande do Sul), quando então fizeram multiplicar-se pela região os rebanhos de gado.

    Quando da fundação de Sacramento lá estavam eles. Porém, estiveram ali pouco tempo, pois logo fugiram aos ataques dos bandeirantes paulistas que chegavam em busca de escravos. Entraram então, com seus rebanhos e seus índios protegidos, nos territórios onde hoje é o Rio Grande do Sul acabando por fundar ali 7 grandes reduções. Na posse definitiva de Sacramento pelos espanhóis todas as terras ocupadas ali pelos Jesuítas ficaram para os espanhóis.

Sepé Tiaraju.
    Os episódios que mais macularam a beleza do Rio da Prata foram sem dúvida os da Guerra Guaranítica.  Em 1750 pelo Tratado dos Limites, Madri exigia a um total de quase 30 mil pessoas, entre indígenas, professores e instrutores Jesuítas, que abandonassem suas casas, seus plantios, suas lindas igrejas, suas oficinas de trabalhos artesanais, olarias e carpintarias. Apesar dos vários adiamentos do abandono, conseguidos pelos Jesuítas que esticou suas saídas por quatro anos, foi depois impossível evitar o início desta guerra, onde toda a mágoa dos índios, liderados pela figura ímpar de Sepé, explodia contra os exércitos espanhóis e milhares de soldados portugueses, naturalmente bem melhor armados e equipados do que a defesa guaranítica.

    Muitos padres foram considerados traidores à Companhia de Jesus e a Madri por se colocarem ao lado dos guaranis atacados e massacrados.  Contudo, em sua maioria os Jesuítas tiveram que optar por renunciar aos Sete Povos, abandonando todo seu trabalho de anos nas reduções, ou a desobediência às ordens enviadas pelo Geral da Companhia em Roma, o que significaria para eles certamente uma expulsão da Igreja.

    O Sec.XIX entrou tumultuado na região, trouxe várias invasões nos países limítrofes do Rio da Prata. Tivemos os ingleses, no auge de seu poderio econômico e colonial, invadindo Buenos Aires, dedicando-se também ao terrível e impiedoso tráfico de escravos, fazendo concorrência com Sacramento, permanecendo ali até que São Martin fez a independência.

Coxilhas (Pampas) gaúchos.
 
     Hoje, ao sairmos do Rio Grande do Sul, em direção a esta região do Prata, deixamos para traz nossas estâncias com seus longínquos horizontes e coxilhas, zonas plenas de solidão, pois seus atuais proprietários são as novas gerações que habitam nossas grandes cidades, chegando nelas apenas em visitas.

    Entramos nas praias deste rio no Uruguai, praias que conservam uma beleza nativa, algumas tais como naturezas intocadas. Chegamos à Montevidéo (esta cidade acolhedora que os gaúchos tanto amam) depois à Sacramento, tão bucólica que nos parece nunca ter sido sacudida por sofrimentos, para então atravessarmos o Prata em barco para atingirmos Buenos Aires, cidade linda com sua arquitetura madrilena majestosa.

    Uma parte pequena, é verdade, teremos visto da Bacia do Prata. Porém, ali já nos vem à lembrança todos aqueles homens que mourejaram em esforços inimagináveis na feitura do couro, que proporcionou a riqueza a seus descendentes; à lembrança os martírios infligidos aos nossos indígenas, considerados homens sem ter o direito a sequer ter uma alma, daqueles também infligidos os negros, peças, como eram chamados, marcados a ferro quente como animais e à lembrança a terrível opção requerida aos Jesuítas de terem fidelidade a sua Igreja ou aos índios que amavam e orientavam.

     A história desta região nos envolve, emociona, nos jogando intensamente em todas as nuances de dedicações, maldades, explorações, amores, e renúncias que os homens que nela viveram manifestaram.
 

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

As Virgens do Sol


As Virgens do Sol
 
Os religiosos antigos aproveitavam a sensibilidade feminina para acalmar e agradecer os deuses. E, poucos povos o fizeram com tanta persistência como o povo Inca.

     “Em todas as cidades do Tahuantinsuyo (o império Inca dos quatro cantos) havia os santuários chamados “Casas das Escolhidas”,” “Casas das Virgens do Sol”, (Aquillawasi) onde residiam as Aqllas.

     Estas chegavam ali meninas, a partir de tenra idade, até com apenas 10 anos, escolhidas a serem preparadas para consagrar suas vidas ao deus solar Inti (do qual os primeiros habitantes de Cusco acreditam descender), ao deus Viracocha e ao soberano Inca.

     Eram selecionadas a partir de sua origem social, que as encaminhariam a função que exerceriam e principalmente por suas excepcionais qualidades físicas e morais. Moças belíssimas e de grande retidão. Seu número era imenso. Só Cusco, cidade sagrada, umbigo do mundo Inca, contava com 1500 Aqllas.  Eram respeitadas porque consagradas ao deus Inti e (assim nos afirma Victor Angles Vargas em sua “História do Cusco Incaico”) mesmo o seu serviço ao soberano era “apenas para confeccionar trajes, acessórios e adornos para a família imperial”, nada se entendendo então que deveriam servir o soberano em relações íntimas. Vargas discorda de escritores, quando estes dizem que os soberanos faziam com elas um harém. Pensa, ao contrario, que elas não seriam tocadas sexualmente , porque pelas crenças incaicas eram respeitadas e até temidas como “ Esposas do Sol.”

     Sua castidade era rigorosa. O grande complexo arquitetônico da “Casa das Escolhidas!”, na praça central de Cusco, que  depois, na invasão espanhola, foi ocupado , em parte,  pelo Convento de Santa Catarina, com interiores  que eram na época  incaica revestidos de placas de ouro, tinha suas portas fortemente guardadas. Mesmo os homens servidores que mantinham a limpeza e conservação das “Casas” eram castrados e não era incomum serem mutilados no nariz e orelha para não pareceram atraentes aos olhos das Aqllas.

     Caso se desse algum relacionamento que resultasse em gravidez, a Escolhida seria enterrada viva, seu bebê sacrificado em holocausto a Inti e o seu par torturado.

     Não se compreenda, contudo que nestes santuários as escolhidas viviam apenas para orações e cultos. Eles eram centros culturais e artísticos, onde as Aqllas se dedicavam a atividades diversas.

     Eram exímias dançarinas, cantoras, artistas e habilidosas tecelãs que teciam vestimentas riquíssimas com que a nobreza se apresentava em dias solenes; plantadoras de flores que enfeitavam as ruas da cidade nos Solstícios.

     No IntiRaymi (festa do sol), mostravam sua habilidade culinária e só as suas mãos consagradas podiam fazer os deliciosos Sankhu (pães de milho) de grande simbolismo litúrgico, para que distribuídos entre a população a fizesse comungar com as riquezas da Pachamama (mãe terra) e também a bebida Chicha que em jarro de ouro seria oferecida ao imperador, que após bebê-la, faria a Ablução. Quando –assim pensavam- a mãe terra recebesse e bebesse também parte da gostosa Chicha, feita pelas Aqllas, ela ficaria contentada ao ver o que era possível fazer-se com as suas doações.

     Porém, entre as escolhidas havia aquelas Virgens, já consagradas, mas não ainda Esposas do Sol, casadouras, que podiam ser dadas em matrimônio a chefes guerreiros que houvessem feito façanhas notáveis que as merecessem ou a chefes de províncias vizinhas, cujo casamento proporcionaria união política com Cusco.

     Do santuário de Machu Picchu é dito que suas Aqllas se diferenciavam das demais, pois tais como as antigas pitonisas gregas, dedicavam-se a adivinhações e oráculos e eram também feiticeiras, o que marcaria Machu Picchu como local propenso a bruxarias. Teriam sido estas Aqllas que em 1532 durante as lutas entre os dois irmãos imperadores Atahuallpa e Huáscar, teriam conseguido fugir para região do Wilcabamba que se manteve depois como o último baluarte ante os invasores espanhóis até 1572, ,quando finalmente, com a resistência vencida, as Aqllas de todos os santuários foram naturalmente mortas.

     As “Virgens do Sol” e suas famosas Mamacunas, mulheres de grande saber espiritual e artístico que as conduziam, são hoje apenas lembranças históricas que vivem como uma saudade , naqueles modernos peruanos que cultuam tanto as suas origens.

Palenque


Pirâmide na qual se localiza o túmulo de Pacal Votan.

Sempre existiram locais sagrados onde o peregrino acredita estejam concentradas energias divinas. Geralmente neles viveram iluminados, homens santos, neles se realizaram cultos para homenagear deuses, onde a fé foi demonstrada com fervor. Um destes lugares santos aqui será lembrado:

      Palenque situa-se no México. Foi um grande centro político da civilização Maia, florescendo a mais de mil anos. Desde o século VII tornou-se um local de peregrinação, pois ali viveu o maior dos sacerdotes Maias: Pacal Votan.

     Pacal transformou Palenque em um centro cerimonial muito prestigiado. Hoje, encontramos ali uma pirâmide em cujo interior está o chamado “Templo das Inscrições”. Lembremos que as pirâmides Maias são truncadas, isto é, não têm pontas como as do Egito. São cortadas acima por uma plataforma  onde se edificava um templo.

     Em 1952 foi descoberto um túnel que saía de dentro do seu templo e descia o interior da pirâmide até a profundidade de sua base. Conduzia a um túmulo que continha o corpo de Pacal Votan, usando uma máscara de jade. Estava coberto por uma lápide trabalhada em desenhos. Tal desenho, estudado, levantou hipóteses diversas sobre o seu significado. Até aquela tão estranha de que ali estaria representado um astronauta conduzindo uma nave.

     Espiritualistas afirmam que sua tumba, colocada interiormente na base interna da pirâmide, representaria o corpo do recém desencarnado Pacal Votan, posto nos níveis mais profundos do mundo dos mortos, de onde sua alma ascensionaria até o ápice da pirâmide onde está o templo, para ali encontrar a Divindade Suprema.  Pacal completaria, enfim, a apoteose da subida aos céus de um grande chefe iluminado Maia.

     Palenque constitui-se por isso, num dos grandes centros místicos de peregrinação da América Central.
 

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

A Itália em sua Origem Mítica



      Enéias é o único dos grandes guerreiros troianos a escapar com vida da mitológica Guerra de Troia.
     Herói semideus, pois é filho de Afrodite, será o personagem central da epopeia Eneida, escrita por Virgílio, maior poeta do mundo romano do 1º século antes de Cristo, é o símbolo da continuidade das gerações. Deixa Troia incendiada, com seu pai velhinho, seu filho pequeno Ascânio, levando nas mãos um Penate. Penate, um gênio protetor da alma da pátria, da família, do Estado, que os protegerá e a seu pequeno grupo de companheiros, numa frota, na longa jornada que irá empreender pelo mar para formar o país que hoje conhecemos como Itália. Esta saída, temos magistralmente representada na escultura do renascentista Bernine.
 
Troia incendiada.
 
     Diz-nos Virgílio em sua Eneida (12 cantos): “Foge, filho da deusa, escapa destas chamas, já fizestes bastante pela pátria e por Príamo, seu rei. Troia recomenda-te seus objetos sagrados, seus Penates. Toma-os como protetores de teu destino, procura para eles outras muralhas que construirás depois de teres vagado sem rumo pelo mar”.
     Desesperado por largar sua terra e a esposa que morrera em Troia, a vê aparecer em uma visão e lhe afirmar que os seus descendentes viveriam e reduziriam todas as nações a seu jugo.
    Juno, esposa de Zeus, no entanto, resolve matar esta esperança dos troianos em fuga. Vai para Eólia, o pais dos ventos, e suplica ao deus dos ventos para fazer naufragar os navios de Eneias e seus companheiros, dando-lhe como recompensa doze lindas Ninfas.
    Quando os ventos furiosos balançam as velas e quebram os remos estabelece-se o pânico. Três navios são despedaçados sobre os rochedos. Netuno, o deus do mar, porém irrita-se com aquela invasão em seu império marítimo, vem à superfície e acalma as águas revoltas. Com a mesma força com que ele perseguirá Ulisses que teve a ousadia de com seu cavalo de madeira derrubar a muralha que ele, o deus, havia dado à Troia, agora, ele protegerá Enéias, uma das vítimas daquele estratagema de Ulisses.
    Contudo, será sempre Zeus, o grande senhor do Olimpo, quem terá a última palavra. Aparecerá em sonho a Enéias e lhe ordenará tomar o compromisso de buscar uma terra de nome Hespéria para ali formar uma raça.
    Todos os sofrimentos e peripécias vividas no mar são por Enéias esquecidos, quando ele aporta em Cartago e ali se apaixona por sua rainha Dido. Vive ali vários anos de uma intensa paixão, até que Zeus lhe aparece para lhe lembrar do compromisso assumido. Enéias larga então a amada por obediência a Zeus. Esta, vendo desaparecer na linha do horizonte a embarcação que o levava, mata-se na beira da praia, numa das grandes cenas trágicas da Eneida.

Enéias fugindo de Troia carregando o pai e o filho.
 
    Chegando ao território da Hespéria (antiga Itália) Enéias, muito saudoso de seu velho pai que morrera na viagem, vai à Cumas procurar a “Sibila de Cumas”. Quer que ela o leve ao reino dos mortos. Esta era a mais famosa das pitonisas.  Com inigualáveis poderes, previu com minúcias os destinos do Império Romano, que constam nos famosos “Livros Sibilinos”, guardados no templo de Júpiter Capitolino.  Virgílio, em sua epopeia nos conta como são as regiões infernais e os campos Elíseos do reino dos mortos. Mais do que nos relatos homéricos vão ali surgir as ideias de reencarnações influenciadas pelos intercâmbios com o oriente dos tempos de Virgílio. A Sibila de Cumes mostra a Enéias os indivíduos que irão nascer na raça que ele criará, e lhe mostra o rio Lete, onde as almas beberão o esquecimento das vidas passadas, antes de nascerem na futura Roma. Hoje, esta conhecida Sibila aparece retratada nos magníficos afrescos de Miguel Ângelo, na Capela Sistina do Vaticano.
    Chegando finalmente em suas proximidades, encontrou o chefe de uma tribo de nome Latino (que daria nome a futura raça). Pai de uma jovem de nome Lavínia, num sonho, Latino havia sido advertido pelos deuses que guardasse sua filha para um estrangeiro que formaria com ela uma raça que dominaria o mundo.
   Casando-se com Lavínia, Enéias conta entre seus descendentes uma Vestal de nome
Réa Silvia por quem o deus Marte se apaixonara. Desta ligação nasceram dois gêmeos: Rômulo e Remo.  As Vestais eram sacerdotisas da deusa Vesta, guardadoras do fogo sagrado que protegia o local onde hoje é Roma. Obedeciam a um rigoroso voto de castidade e eram punidas com a morte se o transgredissem.
 
A loba romana amamentando Rômulo e Remo.
 

    Quando Réia Silvia, virgem casta, aparece grávida, um tio seu leva os gêmeos que lhe nasceram para um monte e ali os abandonou. O deus Marte, no entanto, preserva a vida de seus filhos mandando uma loba para alimenta-los. Crescendo com o sangue do deus da guerra Marte, Rômulo e Remo lutam depois entre si pelo lugar onde construiriam Roma. Rômulo acaba por matar seu irmão e funda a cidade.
    Falta-lhe contudo mulheres para procriar filhos que viessem habitá-la. Invade então uma cidade vizinha e lá rouba as suas mulheres. Episódio este conhecido na História como “O Roubo das Sabinas”. Fundada por um filho do deus da guerra, Marte, Roma nasce sob a égide da violência. Torna-se um dos povos mais conquistadores, violento e invasor da Antiguidade.
 

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O Desenvolvimento das Religiões e suas Caracterísitcas

Religiões Antigas

Passamos nos primórdios de épocas remotas, muito arcaicas pelos cultos das deusas do Matriarcado, sendo estas depois superadas pelos deuses do Patriarcado, que aparecem na mitologia dos vários povos.
   Mais tarde, passamos ao Monoteísmo, crença em um Deus único, com sua origem no Egito há 14.000 anos antes de nossa época, com o faraó Akenaton. Porém, este culto ao deus Aton, foi abandonado após a morte deste faraó e só reavivado depois pelo Bramanismo com culto à Brahma, pelo Judaísmo pelo culto a Javé e pelo Zoroastrismo, na Pérsia (atual Irã) com o culto a Ahura Mazda.

Akenaton, o faraó monoteísta.

   Assim, estas três religiões: Bramanismo, Judaísmo e Zoroastrismo são consideradas as mais antigas religiões monoteístas da História. Também do período anterior ao Cristo (sem, contudo contar com um Deus criador como Brahma) encontramos no Japão o Xintoísmo, na Índia o Budismo e na China o Taoismo.
   Vamos então nos deter em algumas características destas religiões da Antiguidade.
   O Bramanismo tem como princípio supremo do universo o Brama e como princípio vital dos seres (a centelha divina em nós) o Atman. Baseia-se  em dois livros sagrados; “Ao Brâmanes” e os “ Upanishadas”. O primeiro trata da evolução pela sabedoria e o segundo pela devoção(a união com o Absoluto). Nasceu da ideia de cultos celebrados e dirigidos por sacerdotes que substituíram o trabalho por transes dos xamãs tribais.
   Com a imensa autoridade que conseguiram, deram início ao sistema de castas o que maculou os seus ensinamentos mais profundos (sobre o Brama e o Atma).
   O judaísmo é dividido em quatro períodos:  Religião dos Patriarcas onde se destaca a figura de Abraão, para quem Jeová promete ao povo Judeu a terra de Canaã, a Palestina. Vem depois a religião de Moisés onde, segundo os judeus é escrito a Torá, o livro sagrado do Judaísmo. Segue-se o período dos Profetas( Daniel, Ezequiel, Jeremias etc) por ocasião em que os Judeus foram exilados na Babilônia. Foi durante este exílio, no Séc.VII AC, que surgiram as ideias esotéricas que fazendo  oposição ao ortodoxia judaica  seguidora apenas da Torá, deram origem à Cabala.
 O último período é o Pós-exílio. Nele, o poder religioso e administrativo de toda a Judeia fica nas mãos dos sacerdotes do Sínodo Judaico, cuja sede era o templo de Jerusalém com obediência rigorosa à Torá mosaica, bíblia do Velho Testamento, com o desaparecimento quase total da Cabala, que irá renascer na Idade Média. Do templo de Jerusalém, hoje só resta o famoso “ Muro das Lamentações”. Nele, os judeus lamentam a perda de seus reis sábios e poetas como Salomão e Davi.

Abraão, patriarca hebraico oferecendo
seu filho em holocausto.

   Quanto ao Zoroastrismo, foi Zoroastro quem transformou o Politeísmo persa no Monoteísmo
cujo deus único é Mazda. Tinha como principal culto, o fogo. Religião dualista onde o Bem, Mazda e o Mal Alruman estão sempre em conflito dentro dos homens. O Zoroastrismo decaiu e desapareceu no Séc.VII de nossa época na Pérsia ,quando o Islamismo se apossou do país.
Hoje o Zoroastrismo é encontrado apenas na Índia nos grupos denominados “Parsis” que fugiram para a Índia pela invasão muçulmana.
   Quanto ao Xintoísmo , é a religião do Japão, de origem remota, talvez vinda de épocas tribais, cuja maior característica era o culto aos ancestrais  aos mais velhos que eram nas tribos os senhores da experiência.  Porém, quando no Séc.VI AC o Budismo entrou no Japão, o Xintoísmo perdeu sua intensidade. Contudo, no Séc IXX, aconteceu  uma onda de nacionalismo no Japão e apesar do Budismo ter se tornado muito forte ali, foi revivido um Xintoísmo de Estado, com culto à pessoa do imperador. O imperador –segundo creem- é a representação da deusa solar Amateruzu. O cetro de seu poder  foi lhe atribuído pela deusa, para que ele tivesse sob suas ordens  as ilhas  japonesas. Sendo que o Japão é orgulhosamente considerado  pelos japoneses como um país de deuses , uma vez que a raça que nele habita é, pelo mito, de  origem divina descendente de uma deusa.Por razão desta crença, o culto ao imperador se mantêm como forma de Estado.
   Em respeito ao Budismo, este surgiu no Séc.VI antes de nossa era, como uma reação ao sistema  de castas do Bramanismo e de sua autoridade opressora.  Diferencia–se sobremaneira do Bramanismo porque não se dedica à Metafísica, isto é, não faz conjecturas sobre o universo, cadeias planetárias  e a trajetória evolutiva do homem em relação ao cosmos, ao seu Atman ou  mesmo ao  Brama criador. Sua única preocupação é a dor humana; em vencermos a dor.  Esta doutrina baseia-se nas “ Quatro Nobres Verdades” versando todas elas no sofrimento, conduzindo o crente por meio do “ Caminho Óctuplo” aos degraus  pelos quais vencerá a dor.

Um santuário xintoísta.

   Entre perseguições, o Budismo sobreviveu na Índia por mais de mil anos e no Séc.VIII da  era cristã saiu da Índia, espalhando-se em várias regiões da Ásia.  Seu mais conhecido iluminado é  o Buda Gautama também chamado Buda Sakiamuni . É uma religião com uma variedade de escolas ,sistemas e ramos que estudam em profundidade a psicologia humana. Todas se igualando no culto a este Buda.
   Hoje,  no Brasil, chegou a nós com maior  força o Budismo Tibetano, sistema búdico chamado  Lamaísmo , dirigido por instrutores Lamas sob o comando espiritual de um Dalai Lama (mestre grande como o oceano) seguidor este da escola Mahayana,  que vê na compaixão a única forma de evolução.
   Já o Taoismo é uma religião chinesa , fundada pelo  grande pensador chinês Lao Tse. Seu livro mais  famoso é o Tao Te Ching (o livro do Caminho e da Verdade) constituído por 81 aforismos (sentenças breves, morais e espirituais). É uma tradição iniciática que se transmite de mestre a discípulo.
 Tao significa O Caminho. Tudo obedece a um caminho, uma estrela ,um planeta, um rio. Tudo segue o seu próprio curso. È a ordem universal. Só o homem, por seu livre arbítrio, cria o caos  no qual se enreda. É a religião da modéstia. Nada fazer para sobressair-se é o seu lema. O culto a Deus ,tal como o ocidental o concebe não existe no Taoismo. O Tao, o Caminho, constitui por si a essência do universo,  a realidade última. O tão é a energia que flui através de toda a vida. Do Tao deriva-se o Yin e o Yang, a natureza dual de todas as coisas. Tudo enfim que vemos, o céu ,a terra, a humanidade, nasceu da energia do Tao.

Comentários sobre estas religiões

   Talvez seja o Bramanismo aquela religião que nos deu a base para desenvolvermos o sentimento religioso: A ligação com o Absoluto ,por sua crença no Brama criador, e a descoberta do Atma, o nosso eu superior, a centelha deste mesmo Deus em cada um de nós, centelha dentro da qual vivemos e temos o nosso ser.
    O judaísmo nos deixou os magníficos ensinamentos da Cabala ,onde pelo esquema da chamada Arvore da Vida, nos são apresentadas emanações divinas, que vamos assimilando através de símbolos num sistema  onde a cada vez que passamos novamente pela mesma emanação(caminhos e esferas)  a assimilamos por um prisma mais evoluído, assim nos inteirando pouco a pouco da Verdade buscada.

Lao Tsé idealizador da doutrina taoísta.


   No Zoroastrismo religião dual vemos aquilo que temos de equilibrar: nossas duas vozes internas simbolizadas nele por Mazda e Aruhman, o bem e o mal, nos requerendo discernimento como principal passo no evoluir .
   Já o Xintoísmo nos leva, com seu culto aos ancestrais,  a valorizar a  unicidade entre os seres, tudo o que devemos em corpo, mente e emoções a centenas de seres humanos  que nos antecederam ,aos que nos cercam . Com as leis divinas nos proporcionando isto através do recurso de genes doados e contatos familiares, valorizamos o respeito ao grupo familiar.
   Do Budismo recebemos também uma lição valiosa: Nós criamos nossas próprias dores. A solução delas está em nos modificarmos, e, com aquela sabedoria e objetividade peculiar ao budismo, ele nos dá uma listagem de comportamentos que nos auxiliam nesta modificação: O seu Caminho Óctuplo.

   O Taoismo nos lembra de que temos cada um de nós um papel no universo. Cada um, com um caminho a seguir.  Descobrir qual é o nosso curso ,qual o nosso papel junto a amigos, familiares e pessoas com as quais privamos em geral, é o nosso exercício principal.